domingo, 7 de junho de 2009

Breve depoimento de Elias Iltchenco



Eu nasci no dia 13 de fevereiro de 1905, na Rússia, província de kerson, vila Krivoi-Rog, a 90 Km de Odessa.

No começo do nosso século havia muita propaganda dos agentes de emigração, falando insistentemente em vida paradisíaca no Brasil.

Naquele tempo tinha (e tem até agora) muita gente pobre que queria melhorar a sua vida.

O meu pai e os outros camponeses induzidos pela propaganda resolveram emigrar para o Brasil, em 1909.

Um dia venderam tudo que tinham, tiraram o passaporte, compraram passagens e embarcaram. Passamos pelo porto de Londres onde ficamos uns dias. Depois seguimos viagem num pequeno navio e chegamos a São Paulo, Brasil e fomos mandados para Paricuera-Açu, onde tinha um posto de colocação de emigrantes. Eu tinha pouco mais de quatro anos de idade. Ali, no "reduto" da emigração estivemos dias e dias... Depois as autoridades brasileiras mandaram os pais de família escolher os lotes de terra para cada família morar e trabalhar.

Os imigrantes não conheciam nada no Brasil: idioma, formas de trabalhar a terra e o que podiam semear e plantar.

Fomos para a colônia, mas como tínhamos poucos recursos para viver, os pais de família de novo tiveram que sair trabalhando para fora, na construção de estradas a fim de manter os filhos. Assim, foram dois anos, e a vida ficava cada vez pior, não dava mesmo para viver no Brasil, a miséria era pior do que na Rússia. Dali todo o grupo de emigrantes russos, combinaram retornar ao seu país, mas nenhum tinha recursos para comprar as passagens. Resolveram então juntar tudo o que possuíam de dinheiro para comprar carroças e viajamos até ao Porto de Manga de Mariguape. Dali as autoridades nos colocaram em casas e barracas. Em seguida os adultos enviaram um telegrama ao cônsul russo do Rio de janeiro, pedindo ajuda para os imigrantes enganados...

Decorridos alguns dias o cônsul veio ao nosso encontro, reuniu-se com todos os homens do grupo, mulheres e crianças e perguntou os motivos pelos quais queríamos voltar à Rússia: "Nós queremos ir embora porque temos passado fome aqui". O cônsul admitiu que tínhamos razão depois de ouvir todas as queixas dos imigrantes, um por um, e acabou sugerindo para irmos para o Rio Grande do Sul, por ser um clima semelhante ao do sul da Rússia. Os imigrantes concordaram e depois de alguns dias recebemos passagens de navio e fomos parar em Porto Alegre (não me recordo quantos dias demorou a viagem) e ficamos nos "barracões da emigração" duas semanas, passando fome, sem nenhuma higiene... Ao fim desse tempo as autoridades mandaram-nos para Erechim, agora Getúlio Vargas, e novamente fomos para os "abrigos da emigração". Neste lugar ficamos duas semanas sofrendo todo o tipo de humilhações e penúria, até que chegou (sem pressa) o fiscal da colonização para avisar que os chefes de família iam escolher os lotes de terra para requerer ao governo e poder morar e trabalhar. O fiscal foi com os camponeses mostrar os lotes e cada família escolheu um e/ou dois lotes de acordo com o número de dependentes.

Mas daí a mudar demorou bastante tempo, até que carros puxados por mulas carregaram os nossos pertences, e como não tinha estradas nesse tempo, andamos quase todo o dia para chegar ao lugar que seria nosso.

Mas nós ainda tivemos sorte. No nosso lote tinha uma velha casa onde nos pudemos abrigar e acomodar as crianças como eu, imediatamente. A maioria ficou no meio do mato aquela noite. No dia seguinte todos se reuniram e partiram mato adentro para encontrarem pinheiros, derrubá-los e preparar a madeira para as moradias. Tudo pronto, como as árvores foram encontradas longe do local onde íamos morar, e como não tínhamos carroças para transportar as madeiras e nem animais, reuniram-se todos os homens, mulheres e meninos e trataram de se ajudar carregando tudo nas costas.

O governo deu de ajuda para cada família de emigrantes 500 mil reis em vales para gastar no comércio até que chegasse a primeira safra. E mais enxadas, foices, machados e um serrote para cada duas famílias.

Quando começamos mesmo a trabalhar na terra já haviam passado alguns anos de fome, frio e muitas privações, desilusões, enganos, mentiras e até roubados diplomaticamente... Mas dai em diante começava uma nova etapa na vida dos emigrantes russos; roçar a terra, plantar e colher sem saber o que no local produzia mais e melhor. Alguns foram trabalhar nas vizinhanças para aprender e ensinar aos que ficavam tomando conta de tudo... Foi mais dois anos de aprendizado e ao mesmo tempo tentar ganhar alguns mil réis para sustentar a família.

Trabalhando e aprendendo, a maioria continuava pensando trabalhar uns anos, juntar dinheiro para voltar de novo à Rússia: fome por fome passaríamos no ambiente que conhecíamos. Mas em 1914 estourou a guerra na Europa e os emigrantes mais uma vez esperaram ansiosamente o fim do trucidamento humano para voltar à Ucrânia. E quando pensávamos que a guerra estava chegando ao fim, em fevereiro de 1917 o czar foi derrubado e em outubro os bolchevistas implantaram a ditadura quando o povo russo pensava e queria a liberdade. O Czar caíra mas novos czares tomaram o poder e o povo continuava sonhando com liberdade e sofrendo nos campos de concentração (os que reclamavam) e a quase totalidade lá morria.

Os emigrantes aqui no Brasil, na Argentina, no Uruguai, nos Estados Unidos da América do Norte, no Canadá e noutros países onde existiam russos, enquanto não sabiam o que estava acontecendo em nosso país, trabalhavam para fazer da revolução, que se acreditava libertária. Começaram a aparecer jornais, folhetos, revistas, livros e outros tipos de imprensa falando do anarquismo.

No ano de 1918, chegou à "nossa" colônia "GOLOS TRUDA", jornal anarquista, em língua russa, no começo semanalmente e depois quinzenal. Mas a polícia Argentina descobriu e começou a perseguir os editores que tiveram de fugir exilar-se no Uruguai. Em 1919, saía em Montevidéu o jornal "RABOTCHAIA MISL", mas o grupo editor foi também ali perseguido e voltou para Buenos Aires, e de novo publicaram "GOLOS TRUDA". Este jornal anarquista em idioma russo saiu como Órgão da La Federación Obrera Russa entre 1918-1930, quando foi fechado e proibido pelo golpe militar na Argentina.

Depois do golpe militar "GOLOS TRUDA" deixou de publicar-se quando já tinha dezenas de organizações de trabalhadores russos espalhados pela Argentina, Uruguai, Brasil e outros países da América do Sul e do Norte.

No Berissa (Argentina) tinha agrupações com mais de 100 membros e uma biblioteca com 10 mil volumes (livros), levados pela polícia e Queimados.

Em Buenos Aires, logo que as coisas se acalmaram os libertários russos recomeçaram com a revista "SEMBRADOR", bimestral, depois trimestral e ainda sai até hoje periodicamente sem a vibração libertária de antigamente.

No Brasil, mais exatamente no Rio Grande do Sul, também existiram quatro organização de trabalhadores rurais russos. A de Getúlio Vargas (antiga Erechim) os agricultores russos formavam um grupo de mais ou menos 40 sócios (anarquistas), espalhados pelo ex-Erechim. Outros grupos formaram-se no Rio Toldo, Rio Castilho e Floresta, e nasceu então a União dos Trabalhadores Rurais Russos do Brasil. As reuniões eram constantes e o comparecimento total: todos queriam saber notícias e discutir idéias libertárias e assuntos gerais para se atualizar. As reuniões efetuavam-se em casa do secretário Paulo Uschacoff.

Os colonos russos ainda estavam ansiosos por voltar à Rússia que acreditavam libertária, e ali lutar contra os invasores exércitos estrangeiros. Mas os bolchevistas (soubemos depois) fizeram isso com a ajuda dos camponeses anarquistas orientados por Nestor Makno, traíram-no e reforçaram a ditadura do proletariado. E por fim, os emigrantes russos, nos anos de 1922-1924, começaram a perder as esperanças de que os verdadeiros revolucionários saíssem vitoriosos na Rússia.

Mas o pior que aconteceu no Brasil foi quando em outubro de 1921 o companheiro Demétrio Cirotchenco, antigo marinheiro russo, muito ativo, secretário da União foi atropelado e morreu. Com um bom relacionamento com gente da marinha mercante e de guerra, conseguia muitas notícias e troca de imprensa.

Entre os militantes camponeses e anarquistas russos no Brasil formavam: Paulo Uschacoff, Sergio Iltchenco e Simão Polubojarinoff, bons orientadores na nossa luta.

As mulheres não tomavam parte nas reuniões, não porque não o quisessem fazer, mas porque morávamos muito longe uns dos outros e os únicos transportes eram feitos no lombo dos cavalos.

As relações com outros grupos fora de Getúlio Vargas (antigo Erechim) eram feitas pelos delegados da União dos Trabalhadores Russos de Porto Alegre, e em muitos casos com o auxílio da correspondência, demorada e difícil nesses anos distantes.

O meu pai sempre se escrevia com Nikita Jacovchenco, secretário da União de Porto Alegre.

Existiam outros grupos de anarquistas trabalhadores do campo russo em Campinas, Guarani e Porto Lucena. Nestas organizações militavam gente que conheci como João e Gregório Tatarchenco e outros mais.

Todas estas organizações integravam a Federação dos Trabalhadores Russos da América do Sul. Todos os emigrantes russos, aqui no Rio Grande do Sul, faziam coletas financeiras e mandavam via União para a Federação ajudar o jornal "GOLOS TRUDA".

Chegou-se a formar as Juventudes Russas no Brasil (eu fazia parte) e em correspondência e imprensa soubemos que os comunistas na Rússia e noutros países atacavam e denunciavam os anarquistas.

Aprendi a ler com meu irmão mais velho (russo e português) nos livros que meu pai trouxe da Rússia, de S. Pouchkni, Tolstói, A Tececof, Lescof, Jucovsky, T. Chervtchenco e outros clássicos que li diversas vezes. Mais tarde recebi livros, jornais e revistas anarquistas em russo e português ou castelhano, do Canadá, América do Norte, Argentina, Uruguai e Brasil, todas anarquistas. Formei meus conhecimentos ideológicos e de cultura geral com base no anarquismo. Hoje as novas gerações aprendem a ler nas escolas e não se interessam por soluções em longo prazo; querem tudo imediato, na mão, pronto.

Duas ou três décadas atrás, eu recebia correspondência de muitos companheiros residentes na América e Canadá. Nestes dois países havia bastante liberdade e lá viviam milhares de emigrantes russos. Por isso na América a propaganda libertária e a luta de classes começaram primeiro do que na América do Sul. Aqui no Brasil, tinha alguns emigrantes russos bem preparados nas idéias e foram eles, eu inclusive, que descobrimos jornais e livros anarquistas em português.


Elias Iltchenco - 1963


Elias Iltchenco morreu no Brasil com 77 anos de idade e deixou 11 filhos no Rio Grande do Sul.
Para não repetir o que já escrevemos sobre esse russo idealista, valente, Elias Iltchenco, que conhecemos pessoalmente em sua casa em Erebango, Rio Grande do Sul, encerramos aqui seu depoimento escrito com letra trêmula, bem legível.

Edgar Rodrigues

Depoimento extraído do livro de Edgar Rodrigues "O homem e a terra no Brasil".

8 comentários:

  1. Olá, estou fazendo uma pesquisa sobre a experiencia anarquista em Erebango e arredores no início do século. Você poderia me informar sobre onde posso encontrar estas fotografias e outras informaçõe ssobre Erebango?
    meu email é thiago_lenine@yahoo.com.br

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  2. Nossa, Muito legal, Tipo ver um pouco da História da minha Familia e Ver como era a visão de antigamente, Muito bom.

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Acho que podemos ser parentes minha mãe é Ivonete iltchenco só não carreguei o sobrenome por causa do meu pai

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  3. Olá Fabiana. Muito boa esta noção sobre como e quando foi a imigração russa no Barsil. Estou ajudando um senhor a encontrar seus antepassados na Rússia. Ele é descendente de russos e seus antepassados moravam em Getúlio Vargas - Erechim. Hoje ele mora em Curitiba. Vc sabe me dizer em que denominação religiosa eles faziam seus casamentos? Igreja Luterana ou Católica - Ele me disse que seus avós e bisavós falavam alemão, mas suas certidões consta que ão russos. Obrigada pela ajuda.

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  4. ola teria como ter acesso a lista dos nomes e sobrenomes das colonias de erebango getulio vargas castilhos e erexim, meu avõ era gozdziuk

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  5. Olá, estou procurando pelos meus familiares russos imigrantes... todos do sobrenome derivado de iatenco. iatchenko etc... teria como me informar??

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  6. Ola me chamo Artemio Ilchenco e moro no RS Caxias do Sul 54999802380

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